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A volta do voto impresso
Entre as mudanças da legislação eleitoral, destaca-se o retorno do voto impresso. Trata-se, possivelmente, do momento de debate e criação legislativa mais impactante dos últimos anos em matéria eleitoral — comparável apenas à minirreforma de 2015, que aboliu as coligações proporcionais e instituiu as tão aguardadas cláusulas de barreira aos partidos políticos.
A impressão do voto, realizada por uma máquina acoplada à urna eletrônica, busca oferecer ao eleitor um comprovante de que sua escolha foi registrada corretamente. Após a votação, esse registro seria exibido ao eleitor, confirmado por ele e, em seguida, depositado automaticamente em uma urna lacrada. O sistema também passaria a “assinar digitalmente” o voto, com registro de horário em log, para garantir a chamada auditabilidade. Há ainda a possibilidade de substituir a impressão por outras tecnologias, desde que assegurem a verificação direta do voto pelo eleitor. Caberia à Justiça Eleitoral adaptar todo o sistema até a eleição geral seguinte à aprovação da lei.
Embora apresentada como novidade, a ideia não é nova. O voto impresso já havia sido aprovado em 2009 para valer nas eleições de 2014 e, novamente, em 2015, com características semelhantes. A diferença agora está no registro do horário de votação por meio de uma cadeia de assinaturas no log da urna — mecanismo que, na prática, pode permitir o cruzamento entre a identidade do eleitor e o voto depositado na urna.
Nas duas vezes em que o voto impresso foi aprovado no passado, o Supremo Tribunal Federal derrubou a medida a pedido da Procuradoria-Geral da República. Em 2011 e novamente em 2018, a Corte considerou inconstitucional a impressão do voto com depósito em urna lacrada. O argumento foi categórico: esse modelo coloca em risco o sigilo do voto — pilar essencial do processo democrático brasileiro.
A trajetória eleitoral brasileira ajuda a dimensionar a gravidade do debate. Do voto censitário, restrito à renda no Império, passamos ao voto aberto e sujeito a manipulações na República Velha. Vieram depois o voto sigiloso e impresso, ainda com limitações, nas primeiras décadas da Segunda República. A Constituição de 1988 consolidou um novo patamar, ao assegurar a universalidade do sufrágio e o sigilo do voto, aliado à rapidez da apuração com a introdução das urnas eletrônicas em 1996. Esse modelo garantiu alternância de poder, legitimidade dos resultados e reconhecimento internacional pela eficiência da Justiça Eleitoral.
Defender o retorno do voto impresso como se fosse garantia adicional de segurança ignora que o sistema atual já cumpre esse papel com notável eficiência. O simples fato de o Brasil — país de dimensões continentais e repleto de desafios logísticos — realizar eleições periódicas a cada dois anos, de forma efetiva e confiável, já é motivo de reconhecimento. Trata-se de um feito que merece louvor, fruto do esforço da Justiça Eleitoral e da consolidação dos direitos fundamentais ao longo do último século.
Seja nos rincões do país, onde é necessária a presença do Exército para transportar urnas e garantir a segurança da votação, seja nos grandes centros dominados por organizações criminosas, a impressão do voto somada ao cruzamento de dados do log representa uma tentativa — inconstitucional — de tumultuar o exercício soberano de escolha do eleitor. Mais do que isso: cria uma metodologia de rastreamento em massa dos chamados “currais eleitorais”, com a possibilidade concreta de identificar o votante para fins de represália ou beneficiamento. O segredo do voto existe justamente para proteger esse momento íntimo e silencioso, em que o eleitor, sozinho na cabine, pode “trair” expectativas externas e decidir apenas de acordo com a própria consciência.
Por fim, há o custo de implantação do maquinário. A adoção do voto impresso exigiria novos ciclos de arquitetura, licitação, testes, protocolos de segurança e validação — tudo com despesas consideráveis. Trata-se de um peso adicional para uma Justiça Eleitoral que, ano após ano, vê seu orçamento estrangulado pelo Congresso Nacional. Paradoxalmente, caberia ao próprio Legislativo ampliar essas receitas, a fim de garantir ao eleitor melhores serviços e maior acesso à democracia direta.
Por isso, a “velha cantiga” entoada pela CCJ do Senado tende a ter vida curta, mesmo que seja aprovada em plenário. Mais que isso: a proposta apenas adiciona combustível ao tensionamento entre os Poderes da República, de forma intencional ou não. Espera-se, portanto, que a ideia não prospere ou, se avançar, que os demais órgãos de controle estejam atentos, como já estiveram no passado.
Vinicius Martins Antunes de SouzaAdvogado eleitoralista e constitucionalista

A pesquisa que animou Tarcísio de Freitas para as eleições de 2026
O mundo político já mira as eleições gerais do próximo ano. A disputa que concentra os holofotes, naturalmente, é a Presidência da República. Falta menos de um ano para o início do período eleitoral, e abril de 2026 marca o prazo de desincompatibilização para ministros e governadores. Nesse contexto, a última pesquisa da AtlasIntel animou o nome mais competitivo da direita: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Lula (PT) parecia ter reencontrado o rumo. A prisão de Jair Bolsonaro (PL), o tarifaço de Donald Trump que lhe deu algum alívio de popularidade e uma sequência de levantamentos positivos sugeriam que o jogo estava virando. Mas a política raramente oferece vitórias duradouras. A nova pesquisa é prova disso: no segundo turno, Tarcísio aparece à frente do presidente, com 48,4% (+1,7%) contra 46,6% (-1%). É a primeira vez desde o tarifaço que alguém se coloca como capaz de impedir Lula de conquistar um quarto mandato.
O resultado não pode ser lido isoladamente. Ele surge no momento em que nomes como Ronaldo Caiado (União) e Romeu Zema (Novo) falam em pacto: candidaturas próprias no primeiro turno e união no segundo. Ainda assim, todos sabem que Tarcísio é hoje o nome mais competitivo. Para o governador de Goiás e o de Minas Gerais, lançar-se pode significar menos a expectativa de vitória e mais a busca por capital político e barganha em um eventual segundo turno.
Pragmático, Tarcísio evita falar em candidatura presidencial e insiste que seu foco é a reeleição em São Paulo. Mas, a portas fechadas, ninguém duvida que o morador do Palácio dos Bandeirantes já vislumbra o Palácio da Alvorada. Não por acaso, ensaia até um slogan: “40 anos em 4”, inspirado em Juscelino Kubitschek. O recado é claro: menos ideologia, mais entrega, numa tentativa de atrair o eleitor moderado, decisivo em eleições polarizadas.
Enquanto isso, a mesma pesquisa que trouxe boas novas a Tarcísio revelou que o fôlego de Lula pode ter sido passageiro. Sua aprovação caiu para 47,9% e a desaprovação subiu para 51%. Experiências recentes mostram o risco: Dilma em 2014 quase perdeu nesse patamar de rejeição, e Bolsonaro em 2022 não conseguiu se reeleger. É difícil vencer quando a maioria do eleitorado desaprova o governo.
Resta ainda o fator Bolsonaro. Sua condenação no STF é dada como certa e o mercado político já precificou sua inelegibilidade. Desse vácuo nasce a viabilidade de Tarcísio. Mas o governador precisa de equilíbrio: se apresentar como alternativa nacional sem parecer traidor do bolsonarismo. Críticas do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) mostram o tamanho da encruzilhada. Para compensar, Tarcísio prometeu que, se eleito, seu primeiro ato seria conceder graça ao ex-presidente.
O quadro está longe de definitivo. Mas a pesquisa já colocou um pé de Tarcísio em Brasília. O dilema é saber se o outro ficará preso ao Bandeirantes ou se dará o passo decisivo rumo ao Alvorada.Samuel Jacques
é Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e especialista em marketing político

Os erros que se repetem
O governo Lula acredita firmemente que a melhor maneira de gerir a economia é por meio do aumento da participação do Estado. A recusa em cortar gastos públicos e a proibição de privatizar estatais são sinais claros dessa estratégia.
Os modelos de ajuste fiscal empregados no mundo focam em cortes de gastos ou elevação de impostos ou geralmente numa combinação dos dois, sendo os que priorizam a redução de despesas públicas os mais bem sucedidos.
O natimorto arcabouço fiscal foi sui generis ao envolver simultaneamente crescimento de gastos e das receitas.
Manobrando a contabilidade, ao excluir despesas do cômputo do resultado primário do Tesouro Nacional, e perseguindo o aumento da arrecadação, o governo tenta a todo o custo a obtenção de um déficit primário zero, indicador enganoso de seu compromisso com a saúde das finanças públicas.
Os artifícios para evitar que gastos tenham impacto sobre o resultado primário estão erodindo a credibilidade desse indicador da política fiscal ao se transformar em prática das atuais autoridades econômicas. Seu emprego se repete recentemente com as despesas para restituição dos descontos indevidos aos aposentados e pensionistas do INSS e com o pacote de mitigação dos efeitos do tarifaço.
Do ponto de vista econômico, o relevante é o que se passa no mundo real e não o número gerado pela contabilidade criativa. Nesse contexto, os mercados observam a evolução da dívida bruta e o sinal transmitido por ela não é bom, como evidenciado pela persistência de prêmios significativos incorporados nas taxas de juros de títulos públicos. A relação dívida/PIB atual de 76,6% é a mais alta desde 2011, excetuando o ano da pandemia.
O reequilíbrio fiscal será viabilizado somente com a geração de superávits primários. Por sua vez, isto depende de reformas que impliquem em profundos cortes de gastos públicos, incompatíveis com a crença ideológica do governo.
Da mesma forma, a gestão de empresas estatais, bancos públicos e companhias não financeiras, tem sido utilizada ativamente para alavancar a presença do Estado na economia.
O BNDES voltou a expandir o crédito em ritmo acelerado, competindo inclusive com Banco do Brasil e Caixa Econômica no financiamento ao setor agropecuário.
As LCDs (letras de crédito de desenvolvimento) emitidas pelo BNDES, isentas de imposto de renda, passaram a competir com as letras de emissão da iniciativa privada (LCAs, LCIs, LHs, CRIs) diminuindo espaço para esta no mercado de capitais.
A BNDESpar, subsidiária do BNDES, não só cessou a venda de ações de sua carteira como retornou à política de adquirir participações em empresas concorrendo com veículos de investimento privado.
No segundo trimestre de 2025, o Banco do Brasil registrou percentual recorde de perdas na concessão de financiamentos, o que sugere problemas na análise de crédito. Num contexto em que a economia cresce há vários anos, é surpreendente o recorde de perdas com crédito.
As estatais não financeiras voltaram a apresentar prejuízos, destacando-se entre elas os Correios. A empresa registrou em 2024 elevação de R$ 700 milhões nas despesas gerais e administrativas e um prejuízo total de R$ 2,6 bilhões, valor considerável até porque os riscos operacionais em sua atividade no curto prazo são tipicamente baixos.
Na Petrobras há elementos de preocupação: o afrouxamento da governança, o abandono da meritocracia substituída por critérios políticos, a despreocupação com custos e geração de valor, a má alocação de capital no investimento em projetos em setores onde a companhia fracassou no passado e o foco no pagamento de dividendos num ambiente de elevado nível de amortizações de arrendamentos.
No curto prazo, a Petrobras vem apresentando bons resultados beneficiando-se de vários fatores. Primeiro, a reestruturação levada a efeito entre 2016 e 2021 reduziu custos administrativos e operacionais e eliminou fontes de desperdícios com a venda de ativos e privatização de empresas. Segundo, a persistência de níveis confortáveis de preços do petróleo, acima de US$ 80 por barril em 2023 e 2024 e entre US$65-70 em 2025. A baixa volatilidade de preços de combustíveis desde 2023 tem inclusive permitido que durante algum tempo os preços domésticos permaneçam abaixo dos preços internacionais sem gerar prejuízos significativos.
Olhando para o futuro próximo, na melhor das hipóteses a manutenção dos atuais níveis de rentabilidade se verá seriamente ameaçada num cenário de preços mais baixos, como parece provável.
Há cerca de dez anos tivemos uma recessão profunda que se prolongou por 34 meses, segundo a FGV, a mais longa desde 1980. Tal recessão, vale lembrar, não foi derivada de um choque externo, mas sim da aplicação do rationale econômico de hoje, o Estado como motor do desenvolvimento econômico. Repetir os mesmos erros não é acaso, é opção. E opções erradas cobram seu preço.
Roberto Castello Branco é doutor em economia e membro do Conselho de Leis do Ranking dos Políticos