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A Batalha Regulatória da Inteligência Artificial
Por Daniel Melo
O Projeto de Lei 2338/2023, que pretende regulamentar a Inteligência Artificial no Brasil, vive sua fase mais decisiva na Câmara dos Deputados. Aprovado pelo Senado em dezembro de 2024, sob liderança de Rodrigo Pacheco, o texto chegou à Câmara em março e foi encaminhado à Comissão Especial presidida por Luisa Canziani (PSD-PR) e relatada por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
A escolha de Ribeiro não é casual. Um dos articuladores mais experientes da Casa, ele simboliza a disposição da Câmara de reformular substancialmente o texto aprovado pelo Senado, usando-o apenas como ponto de partida. As audiências públicas realizadas desde junho funcionaram menos como consulta e mais como ritual de legitimação para um redesenho completo da proposta, admitido publicamente pelo próprio relator.
Apesar das divergências, há consensos mínimos consolidados: a necessidade de regular, a centralidade da pessoa humana, a proibição de discriminação algorítmica e a transparência como princípio estruturante. Também há apoio majoritário à ideia de atribuir à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) a função de regulador do sistema, aproveitando a estrutura já existente. O modelo de classificação por níveis de risco é outro ponto de convergência inicial, embora sua implementação seja motivo de disputa.
É nesse ponto que o consenso se rompe. O embate central opõe dois paradigmas: de um lado, a regulação prescritiva e detalhista, inspirada no modelo europeu, que impõe exigências antes mesmo da inovação; de outro, a abordagem flexível e baseada em resultados, defendida pela indústria e parte do governo. Trata-se, em essência, de uma disputa geopolítica entre o "Efeito Bruxelas" e o modelo norte-americano pró-inovação. O risco, para o Brasil, é tornar-se apenas um tomador de regras, onerando empresas locais incapazes de competir com as Big Techs em custos de conformidade.
A questão dos direitos autorais tornou-se o ponto mais sensível do debate. Criadores e veículos de imprensa sustentam que modelos generativos utilizam obras protegidas sem autorização ou remuneração, ameaçando a viabilidade do jornalismo profissional. O governo ecoa essa preocupação: sem remuneração adequada, fontes confiáveis desapareceriam, e a IA seria treinada majoritariamente com desinformação. Já as empresas de tecnologia defendem que a mineração de dados não viola direitos autorais, pois captura padrões estatísticos, não a expressão criativa. A proposta de "opt-out legível por máquina" é vista como solução técnica, mas, na prática, transfere o ônus da proteção para os criadores, deixando a internet quase inteiramente disponível para treinamento.
Outro ponto de fricção é o impacto sobre startups e pequenas empresas. O receio é que exigências prévias e auditorias extensas as excluam do mercado. A proposta de criar sandboxes regulatórios, ambientes controlados para testes supervisionados pela ANPD, surge como alternativa de equilíbrio entre inovação e segurança jurídica, e deve constar no parecer final de Ribeiro.
A votação na Comissão Especial está prevista para dezembro, mas dificilmente o texto chegará ao Plenário ainda em 2025. O desafio do relator será arbitrar três eixos de tensão – modelo regulatório, direitos autorais e incentivo à inovação – em meio a um cenário de polarização ideológica e pressão eleitoral. Com o avanço da IA e o ano de 2026 à vista, o tema não é apenas técnico: é político, econômico e civilizacional. Contudo, uma coisa é certa: haverá forte pressão da ala ideológica mais alinhada à regulação mais restrita, que teme fortemente o uso indiscriminado de IA no ano eleitoral que se avizinha.
Daniel Melo é Gestor de Políticas Públicas pela UNB e assessor legislativo na Câmara.

Quase 100 parlamentares devem disputar cargos majoritários em 2026, aponta levantamento
Levantamento inédito do Ranking dos Políticos aponta que 99 parlamentares — entre deputados federais e senadores — devem disputar cargos majoritários nas eleições do próximo ano. O estudo, que combina dados de pesquisas de opinião, comportamento parlamentar e informações de bastidores, revela um movimento intenso de reposicionamento político no Congresso Nacional, com impacto direto nas correlações de força nos estados e nas articulações partidárias nacionais.
De acordo com o relatório, 16% dos parlamentares manifestaram, até aqui, interesse em disputar cargos majoritários, ou seja, vagas ao Senado Federal ou aos governos estaduais. Desse total, 52 são deputados federais e 47 são senadores. Entre os deputados federais, 10 pretendem concorrer ao governo estadual e 42 ao Senado. Já entre os senadores, 17 planejam disputar o governo estadual e 30 buscam a reeleição ao Senado.
O levantamento reflete o período pós-eleições municipais de 2024, que consolidou o avanço de partidos de centro e centro-direita em todo o país, especialmente siglas como PSD, União Brasil, PP e PL.
“O ciclo de 2026 tende a redefinir o mapa político brasileiro, com lideranças do Legislativo buscando projeção majoritária em seus estados”, afirma o estudo do Ranking dos Políticos.
Forças políticas e tendências regionais
O documento mostra que o cenário eleitoral de 2026 será marcado por uma combinação de ambições pessoais e estratégias partidárias, com parlamentares experientes tentando ampliar sua influência regional.
Entre os nomes destacados, estão Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filhos do ex-presidente, que devem disputar vagas no Senado, além de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Sergio Moro (União-PR), cotados para concorrer aos governos de seus estados. No campo da esquerda, Jacques Wagner (PT-BA), José Guimarães (PT-CE) e Benedita da Silva (PT-RJ) são apontados como pré-candidatos em suas regiões.
O levantamento também revela o fortalecimento da base bolsonarista em diversos estados, especialmente no Centro-Oeste e no Sul, onde o PL aparece com nomes competitivos, como Wilder Morais (GO), Rodolfo Nogueira (MS), Filipe Barros (PR) e Caroline de Toni (SC). Já no Nordeste, PT e aliados mantêm força em estados como Bahia, Ceará e Piauí. Outros nomes de peso também entram nas disputas como: Carlos Fávaro, Renan Filho, André Fufuca, Silvio Costa Filho, Arthur Lira e Renan Calheiros.
O relatório aponta ainda que o resultado das eleições municipais de 2024 serviu de algum termômetro para 2026, consolidando o avanço de partidos de centro e centro-direita, enquanto o PT teve desempenho modesto, com apenas uma capital conquistada. Esse movimento reforça a expectativa de que o Congresso eleito em 2026 tenha perfil mais conservador e pragmático.
O estudo indica que o Senado deve concentrar parte das atenções em 2026. Segundo a análise, a direita e o bolsonarismo priorizarão a eleição de senadores alinhados a pautas de reforma institucional, incluindo projetos para limitar o poder do Supremo Tribunal Federal (STF) — uma tendência já observada nos discursos de parlamentares e lideranças partidárias.
Sobre o estudo
Elaborado pela equipe técnica do Ranking dos Políticos — composta por Juan Carlos, Luan Sperandio, Gabriel Jubran, Danylo Shimano, Tamyres Meyer e Giancarlo Mendes — o levantamento utilizou fontes de pesquisa de opinião, análise de comportamento parlamentar e consultas diretas a lideranças e assessores políticos.
A metodologia permitiu distinguir entre candidaturas especuladas e efetivamente em construção, oferecendo um panorama prospectivo do cenário político estadual e nacional. O estudo reforça o papel do Ranking dos Políticos na avaliação de desempenho e transparência dos representantes do Congresso Nacional desde 2011.

Quando o Estado vive em outra realidade
Por Rafael Moredo
Há um descolamento entre os salários das autoridades públicas brasileiras e a renda média da população. A elite estatal no Brasil vive em uma realidade completamente distinta da dos cidadãos comuns. É o que revelou o Índice de Disparidade Salarial (IDS), lançado pelo Livres.
O estudo comparou a remuneração mensal bruta de autoridades dos três Poderes — de vereadores e prefeitos a ministros do STF e ao presidente da República — com a renda domiciliar per capita da população sob sua jurisdição. O índice mostra quantas vezes uma autoridade ganha mais do que quem representa.
O número que simboliza o problema é o do Executivo nacional: o presidente da República recebe 21,3 vezes a renda média do brasileiro (R$ 2.069,00). A média internacional entre 17 países analisados é de 10,2. Ou seja, o Brasil tem uma disparidade 108% maior do que a média global, mesmo comparado a países com renda e desenvolvimento semelhantes, como Chile, México e Argentina.
Desigual até entre desiguais
O IDS mostra que essa diferença não é inevitável, mas resultado de escolhas institucionais. Países com desigualdade de renda comparável — como México e Chile, ambos com Gini de 0,43 — apresentam índices diferentes (24,6 e 10,3, respectivamente). O Brasil, com Gini 0,52, combina o pior dos mundos: mercado desigual e setor público ainda mais concentrador.
Em democracias desenvolvidas, os chefes de governo recebem entre 5 e 9 vezes a renda média da população — proporção observada na Alemanha, Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. No Japão, a diferença é de apenas 3,8 vezes. São países onde o serviço público mantém proporcionalidade institucional e legitimidade democrática.
No Brasil, reajustes automáticos, benefícios não contabilizados e pouca transparência alimentam uma estrutura salarial inflada, sem vínculo com desempenho ou responsabilidade fiscal. O descolamento da elite estatal é estrutural e sistêmico.
Desigualdade federativa: quando o cargo vale mais onde se ganha menos
A pesquisa também analisou a disparidade em todos os estados. O retrato é claro: quanto mais pobre a população, maior o privilégio relativo da elite local.
No Acre, o governador recebe 33 vezes a renda média dos cidadãos.
Em Pernambuco, Sergipe e Amazonas, o índice passa de 27.
Em São Paulo, o IDS do governador é de 12,9 — ainda alto, mas dentro de parâmetros razoáveis para países emergentes.
Entre os deputados estaduais, o padrão se repete. No Maranhão, cada parlamentar ganha mais de 31 vezes a renda média do estado. Mesmo em unidades ricas, como o Distrito Federal e o Paraná, o índice fica acima de 9 — valor superior ao dos primeiros-ministros de Portugal, Espanha e Reino Unido.
Nos deputados federais, o problema se agrava: todos recebem o mesmo salário (R$ 44 mil), mas o impacto varia conforme a renda local. No Maranhão, o IDS chega a 40,9, contra 12,8 no Distrito Federal. O mesmo contracheque gera privilégios desiguais e rompe o equilíbrio federativo.
Quando a toga pesa mais que a balança
O Poder Judiciário é o maior símbolo do descolamento institucional. O IDS dos ministros do STF é de 22,4, quase quatro vezes superior ao da Suprema Corte do Canadá (5,8).
Nos tribunais estaduais, juízes de primeira instância no Maranhão registram um IDS de 53,3, e houve mais de 63 mil contracheques acima de R$ 100 mil em 2024, segundo o CNJ.
Com as chamadas verbas indenizatórias, o teto constitucional se transforma em ficção. Um juiz federal pode alcançar 40 vezes a renda média nacional, e casos isolados ultrapassam a marca de 300 vezes — algo sem precedente no mundo democrático.
Caminhos possíveis
Para reverter esse caminho, há uma série de soluções a serem implementadas inspiradas em boas práticas internacionais:
Teto federativo proporcional à renda local, limitando salários de autoridades a um múltiplo fixo da renda média da população;
Vedação de reajustes automáticos entre carreiras e esferas, rompendo a lógica da "isonomia para cima";
Transparência total sobre verbas indenizatórias, com publicação individualizada e inclusão no teto constitucional;
Criação de um conselho independente de remuneração pública, nos moldes britânicos, para definir critérios objetivos de proporcionalidade.
Essas medidas não buscam desvalorizar o serviço público, mas recalibrar sua legitimidade. Um Estado justo é aquele que reconhece o mérito e a responsabilidade de quem serve, sem se afastar da realidade de quem paga a conta. Medir a disparidade entre representantes e representados é o primeiro passo para reduzi-la. Ao fazer isso com dados e comparações internacionais, o IDS lança luz sobre um problema estrutural — e sobre a urgência de reformar o Estado para que ele volte a servir, de fato, ao cidadão.
Rafael Moredo é Coordenador de Políticas Públicas do Livres.




